sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Seriados medicos exageram na exposição de medicos e pacientes.

Show dos sem ética

Produções de TV do exterior e também exibidas no Brasil mostram rotina de médicos e pacientes antes, durante e depois de cirurgia



Alguns canais de televisão norte-americanos exibem, regularmente, programas sobre cirurgia plástica. Neles, profissionais deixam de ser apenas médicos e tornam-se celebridades. A superexposição da vida de cirurgiões e pacientes – antes, durante e depois do procedimento – é escancarada. Um dos mais conhecidos do gênero é o Dr. 90210, no ar desde 2004, nos Estados Unidos. O programa mostra a rotina de alguns médicos, entre eles, Robert Rey, cirurgião plástico brasileiro, proprietário de uma clínica em Beverly Hills que arrecada milhões de dólares por ano, não só com cirurgias, mas com o próprio show televisivo e publicidade. No Brasil, começou a ser apresentado em canal fechado.

Além de exibir as cirurgias, pacientes e todo o drama emocional que envolve o procedimento, a produção mostra a vida particular dos médicos. Rey e outros profissionais vivem rodeados de câmeras, que os seguem até em momentos de lazer ou convívio familiar. Na TV aberta brasileira, o programa é veiculado desde 2007 pela Rede TV, com o título Dr. Hollywood. Nessa versão, além do conteúdo original da produção americana, Rey concede, a cada episódio, entrevista exclusiva à apresentadora do canal brasileiro, Daniela Albuquerque.

Se atuasse como médico no Brasil, Rey já teria respondido a procedimento ético em um dos conselhos de medicina. O conselheiro do Cremesp e coordenador da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame), Lavínio Camarim, lembra que a legislação médica norte-americana é diferente da brasileira. “Nós temos um código de ética que preserva muito o trabalho do médico e, principalmente, a medicina”.

No Brasil, é vedada a exibição de pacientes e cirurgias que não estejam inseridos em ambientes de ensino e congressos médicos. Regulam a divulgação de assuntos médicos e a propaganda, o Decreto-Lei Federal nº 4113/42, a Resolução nº1701/03 do Conselho Federal de Medicina (CFM), além de vários artigos do Código de Ética Médica. Há, ainda, o Manual da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame), com normas específicas sobre o tema.

“Programas como o Dr. Hollywood entram no país e prestam um desserviço à sociedade brasileira e à medicina, por expor pacientes, prometer resultados e criar um show em torno de procedimento cirúrgico”, afirma Camarim. “O médico brasileiro responderia a uma sindicância, que poderia justificar um processo ético-profissional, caso participasse de programa desse gênero”, alerta.

As sociedades médicas também condenam essa prática. “A exposição de pacientes em programas de televisão que não têm caráter educativo, apenas com a finalidade de promoção pessoal e de modo sensacionalista, é condenada pelas sociedades de cirurgia plástica de qualquer país e pelos médicos”, declara o presidente da Federação Ibero Latino-Americana de Cirurgia Plástica, José Tariki. “Os próprios cirurgiões plásticos norte-americanos sentem-se desconfortáveis com esse tipo de programa, pois traz conotações que vulgarizam a especialidade, dando a impressão de serem procedimentos banais”, completa Tariki.

Além do Dr. Hollywood, a televisão dos EUA já produziu outras “atrações” na mesma linha. O 10 Years Younger, do Discovery Home and Health, e o Extreme Makeover, da ABC, acompanhavam pessoas que, após serem submetidas a cirurgias plásticas, mudavam radicalmente a aparência. A MTV foi mais longe no show de absurdos. Exibiu, durante 2004 e 2005, o I Want a Famous Face, no qual pessoas comuns passavam por várias intervenções cirúrgicas para ficar com o rosto igual ao de uma celebridade. “Esse tipo de reality show tem formato de apresentação impactante e causa desconforto e insegurança às pessoas que pretendem se submeter à cirurgia plástica”, lamenta Tariki.

Também é comum a participação de médicos em programas de variedades – no exterior e no Brasil. Alguns profissionais têm até quadros fixos em algumas produções. Nem todos respeitam os preceitos éticos que a exposição exige. Na Codame do Cremesp, um grupo de conselheiros e delegados acompanha a participação de médicos na mídia.

Além de orientar os profissionais sobre os aspectos éticos na divulgação, publicidade e propaganda de assuntos médicos, a comissão pode encaminhar denúncia contra os que não seguem as normas. “Estamos indo a campo para levar o ensinamento aos médicos, por meio de palestras, mas, ao mesmo tempo, fazendo buscas ativas na mídia para coibir os excessos”, explica Camarim. “O médico pode participar de programa de televisão apenas com o objetivo de orientar a população, demonstrando a característica informativa do assunto que está tratando”, completou ele. A Federação Ibero Latino-Americana de Cirurgia Plástica organiza mesas redondas sobre ética aos seus associados em que esse tema é discutido.

Nos Estados Unidos, o exercício ético da especialidade é regulado pela American Society of Plastic Surgeons (ASPS). Dentro dessa grande área atuam os órgãos regulamentadores de subespecialidades, como a American Society for Aesthetic Plastic Surgery (ASAPS), presidida pelo médico Renato Saltz. “Aqueles que são membros da sociedade e possuem certificado de especialista têm de seguir o seu código de ética”, informa Saltz . Segundo ele, os especialistas credenciados são observados pelo conselho de ética e, também, pelo American Board of Plastic Surgery, podendo ser suspensos pelas duas entidades se cometerem ilícitos éticos.” Mas, infelizmente, não termos como parar casos como o de Dr. Robert Rey. Ele não é membro de nenhuma sociedade e não tem título de especialista”, afirmou Saltz. “Várias tentativas foram feitas e o público americano foi informado, de muitas maneiras, que seu show não representa a realidade da cirurgia plástica. Ele já perdeu muito ibope por aqui e, por isso, se lançou no Brasil, na República Dominicana e em outros países na América do Sul”, completou o presidente da ASAPS.

Procurada pela Ser Médico, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) disse que não iria se pronunciar sobre o assunto, “pois trata-se de um tema que não é institucional. Além disso, cada emissora é responsável pelo conteúdo que veicula”. A diretoria artística da Rede TV também foi contatada, mas não respondeu às questões encaminhadas até o fechamento desta edição. (Colaborou Bruno Martins)

Texto extraido da revista "Ser Medico" do CREMESP.

http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=506

Nenhum comentário:

Postar um comentário